top of page

Compreender as nossas emoções

Desenvolver (auto)compaixão também envolve compreender e trabalhar com as nossas emoções. Podemos começar por perceber as nossas emoções reconhecendo mais uma vez que o cérebro humano tem vindo a evoluir ao longo de muitos milhões de anos. É por isso que nós partilhamos motivações básicas com muitos outros animais. Eles, tal como nós, estão motivados para encontrar comida, evitar ameaças e perigos, viver em grupos sociais, formar relacionamentos, procurar oportunidades sexuais, e cuidar da sua prole. Para nos ajudar a concretizar estas tarefas de vida, evoluíram diferentes tipos de emoções. Porém podemos simplificar isto, se considerarmos que elas estão relacionadas com três sistemas afetivos distintos que sabemos que operam no cérebro.

Compreender as nossas emoções

Assim, temos emoções que nos ajudam com três coisas fundamentais na vida incluindo:

​

1. Lidar com ameaças;

2. Procurar e ter uma motivação para alcançar e adquirir recursos;

3.Contentamento e tranquilidade.

​

Estes padrões de respostas emocionais (simplificados) e emoções associadas encontram-se na figura seguinte:

Emoções de Ameaça

Todos os animais precisam de ser capazesde identificar rapidamente ameaças e de que o seu corpo se mobilize de forma a poder lidar com elas (por exemplo, fugir ou lutar). Assim, por exemplo, ansiedade, raiva e nojo são emoções básicas, facilmente estimuladas por sinais de ameaça. Regra geral, as ameaças ativam-nos e direcionam a nossa atençãoe pensamento – evolucionariamente isto tem sido fundamental para escaparmos aos predadores. Contudo, atualmente, quando percecionamos as ameaças como esmagadoras também podemos experienciar uma redução da nossa energia e, de certa forma, ficarmos ‘paralisados’. Isto corresponde a sentimentos que normalmente são associados com a depressão.

​

Há várias coisas a ter em conta relativamente às emoções de ameaça. Primeiro, elas são as nossas emoções mais poderosas. Repare, por exemplo, como geralmente uma emoção desencadeada por uma ameaça pode ‘desligar’(rapidamente) emoções positivas. Imagine que está numa visita de estudo com um grupo de alunos a explorar a natureza num parque natural e de repente um dos seus alunos tropeça e cai dentro de uma área de passagem proibida onde corre perigo –o prazer da visita de estudo e de apreciar a natureza com os outros (e.g, você mesmo, os seus colegas e os seus alunos) iria desaparecer muito rapidamente! Imediatamente a sua emoção passaria a ser ansiedadee a sua mente focar-se-ia em assegurar que responderia rapidamente aquela situação (e.g., salvar o seu aluno).Assim, como mostra este exemplo, a ameaça capta asua atenção rapidamente e muda as suas sensações corporais e pode mesmo suprimir sentimentos positivos.

Emoções de ameaça

Emoções de Ameaça

As emoções de ameaça também podem distorcer a forma como experienciamos o que está a acontecer à nossa volta e fazer-nos focar na ameaça e ignorar muitas coisas positivas.Por exemplo, imagine que a sua prestação enquanto professor foi alvo de avaliação. Você é um professor esforçado e procura exercer a sua profissão de forma competente, considerando-se um bom professor. Contudo, no feedback dessa avaliação constam alguns aspetos menos positivos como, por exemplo, o modo como alguns dos seus alunos mais desafiantes se comportam ou o facto de a avaliação dos seus alunos poder ser melhorada. Depois destes comentários menos positivos existem vários aspetos salientados como positivos na sua avaliação e a sua avaliação final é de Bom. Em que é que você vai a pensar quando vai para casa? Sobre o que é vai falar com o seu parceiro ou parceira? O mais certo é que seja sobre aquele único aspeto negativo da avaliação e pode até continuar a sentir irritação/ raiva durante algum tempo.

​

Apesar da raiva não fazer nada de bom pelo seu humor ou corpo (e.g., aumenta a pressão arterial!), e de provavelmente fazer com que o seu parceiro ou parceira fique também enraivecido consigo (uma vez que fala frequentemente dos aspetos negativos do trabalho ou chega a casa de mau humor), como esta situação é uma ameaça, o seu cérebro vai agarrar-se a ela porque em situações em que a ameaça é real isto é útil para a sua sobrevivência. Assim, apesar de 90% da avaliação ter sido positiva e de isso provavelmente o fazer sentir-se contente, essas recordações e sentimentos positivos são rapidamente esquecidos. 

Emoções de Ameaça

Mas pense no que aconteceria se reparasse que o seu cérebro está a fazer isto – a mantê-lo numa emoção negativa de ameaça, com todos os sentimentos e processos corporais que lhe estão associados – e que escolhe, em vez disso, lembrar-se dos aspetos positivos da sua avaliação. O que achaque aconteceria na sua mente e no seu corpo se aprendesse a focar-se nisso? O problema é que, sem qualquer culpa da nossa parte, as nossas emoções de ameaça são automáticas porque elas estão desenhadas para assim o ser (como consequência do nosso passado histórico). Mas, às vezes, isso não é útil e precisamos de aprender a notar (tornarmo-nos conscientes de) quando o nosso sistema de ameaça está a funcionar desta forma. Se notarmos isto, então podemos mudar o foco da nossa atenção para algo mais útil.

 

Devido à forma como os nossos cérebros funcionam, as emoções de ameaça podem ser mantidas na nossa mente por muito tempo, enquanto as emoções positivas fluem rapidamente. Como consequência as nossas emoções positivas podem ser frequentemente fugazes. Contudo, para podermos usufruir destas emoções e do impacto que elas têm no nosso corpo e cérebro, é fundamental inclui-las nas nossas práticas diárias. Assim, embora o treino de compaixão nos vá ajudar a enfrentar coisas difíceis em nós (e na vida), também nos irá ajudar a prestar atenção ao que é útil, ao que é bom em nós (nos outros e na vida),e ao que nos traz emoções positivas e uma sensação de calma e contentamento.

Emoções ativadoras e de vitalidade/prazer

Assim como temos emoções que surgem quando nos sentimos ameaçados, bloqueados ou frustrados, também temos emoções que nos ajudam a procurar coisas boas e agradáveis. Estas emoções, tais como prazer, excitação, euforia, diversão são frequentemente associadas com a realização, a concretização ou a obtenção derecursos. Contudo, o problema é que esses sentimentos normalmente não duram muito tempo porque assim que conseguimos uma coisa, rapidamente vamos querer outra coisa qualquer. Muitos investigadores temem que hoje, nas sociedades ocidentais, haja demasiada ênfase nos sentimentos positivos associados à obtenção e posse, i.e., emoções auto focadas. Pense no que acontece se você, os seus colegas ou alunos tentarem atingir alguma coisa (por exemplo, ter a melhor avaliação nota entre os colegas ou as notas mais altas) … e não conseguirem – como é que você, os seus colegas ou alunos se ficam a sentir?

 

É frequente poderem sentir emoções de ameaça como ansiedade, frustração, receção e até mesmo tristeza ou depressão. E uma coisa muito comum é que as pessoas se criticam e culpam pelos seus fracassos ou dificuldades, o que as faz sentir muito pior. Não sabendo o que fazer para se sentirem melhor, elas podem tentar alcançar ainda mais, e assim o ciclo começa novamente – um esforço constante para alcançar algo. E nós no Ocidente temos uma tendência para querer mais e mais e é com isto que a indústria do consumo joga, por exemplo com a desatualização rápida de certos produtos. Isto é muito claro quando, por exemplo, temos um telemóvel perfeitamente bom mas queremos a última versão ou quando se é reconhecido como um bom colaborador ou professor e ainda assim sentirque não é suficiente. Senão tivermos cuidado, poderemos dar connosco a gastar muito do nosso tempo a tentar fazer coisas para atingir e fazer mais…. e mais…e mais.

Emoções de vitalidade

Emoções ativadoras e de vitalidade/prazer

Assim, as emoções positivas associadas a alcançar, ter, possuir, fazer, não têm qualquer problema até certo ponto. Mas, temos que ter cuidado com elas, porque podem tornar-se viciantes e quando não conseguimos o que queremos, podemos entrar em modo de ameaça e de auto-criticismo. Por isso, é muito útil tornarmo-nos conscientes daquilo para que nos esforçamos e que pretendemos alcançar, do prazer que tiramos disso, e o que acontece na nossa mente quando as coisas não funcionam como gostaríamos. Somos capazes de aceitar as dificuldades como parte dos altos ebaixos da vida ou tornamo-nos muito irritados, frustrados e auto-críticos? 

Note também que, por vezes, somos levados a fazer coisas para evitar ameaças – por exemplo, pode sentir que tem que trabalhar muito para implementar o currículo atual (i.e., trabalhar mais e além do esperado), para que, se algum dos seus alunos tiver um mau desempenho nos exames finais, não sentir que foi você que fracassou enquanto professor. Aprender a desenvolver auto-compaixão é uma forma de lidar com esta dificuldade.

​

As emoções de ameaça e de vitalidade/prazer têm em comum o facto de terem efeitos semelhantes na nossa mente e corpo embora emocionalmente sejam diferentes. Isso acontece porque elas usam o mesmo sistema, o sistema nervoso simpático (SNS), que integra o sistema nervoso autónomo (SNA) do nosso corpo, e que é um sistema de preparação para a ação. O sistema nervoso simpático funciona em quatro eixos (lutar, fugir, divertir ou f***r!), sendo que todos eles requerem ação! Contudo, existe outro tipo de emoções que, por sua vez, estão associadas a outro lado do sistema nervoso autónomo – o sistema nervoso parassimpático (SNP). Estas emoções associam-se a sentimentos de calma, segurança e ligação aos outros – o oposto ao que sentimos quando estamos a sentir-nos ameaçados ou à procura.

Emoções de contentamento e segurança

Temos também um conjunto de emoções e estados corporais que são ativados quando não estamos sob ameaça, nem estamos a tentar alcançar ou fazer coisas. Estas emoções estão ligadas a sentimentos apaziguadores e de contentamento – ser capaz de aceitar as coisas como elas são. Já vimos que as emoções de ameaça e de vitalidade/prazer são muito ativadoras, certo? As emoções de contentamento, pelo contrário, têm um efeito calmante sobre o nosso corpo, porque atuam através do sistema parassimpático. 

Assim, temos emoções que podem ajudar-nos a abrandar e acalmar e a ficarmos mais relaxados e tranquilos. É importante reconhecer que essas emoções também são muito importantes quando o que está em causa é o cuidar do outro. Isto acontece porque estes comportamentos têm o efeito de nos ajudar a estar mais em paz e calmos connosco mesmos. Pense, por exemplo, no que ajuda uma criança asentir-se segura, satisfeita e feliz? Ter pessoas à sua volta que tomem conta dela é muito importante. Por exemplo, quando um bebé está a chorar, a mãe pega nele ao colo, acaricia-o, talvez fale com ele num tom de voz suave e, gradualmente, o bebé acalma-se. Quando uma criança está com medo ou se magoa, ela corre imediatamente para perto do pai ou da mãe que a vai tranquilizar e abraçar e acalmar a criança.

Portanto, temos sistemas no nosso cérebro que nos ajudam a acalmar quando recebemos cuidado, carinho, bondade e afiliação por parte dos outros. Lembre-se também, como mencionámos antes, que a bondade, apoio e compaixão dos outros não são apenas calmantes, mas podem também ajudar-nos a enfrentar coisas que são difíceis para nós.

 

Pense em quão mais fácil é para nós, enquanto adultos, sentirmo-nos em paz e seguros se sentirmos que as pessoas à nossa volta gostam realmente de nós, nos valorizam e se importam connosco. Quão diferente é isso do que experienciamos quando sentimos que os outros não se importam connosco ou mesmo que não gostam de nós. Claro que, por vezes, existem circunstâncias nas quais as relações com os outros são difíceis. Mas o que queremos aqui mostrar é apenas que o comportamento afirmativo, amigável e cuidador tem um grande impacto sobre a nossa capacidade de reduzir os sentimentos de ameaça sem recorrer demasiado ao sistema de vitalidade/prazer.

Emoções de tranqulização

Emoções de contentamento e segurança

Autossegurança/proteção. Isto é exatamente igual quando nos relacionamos connosco mesmos. Se o nosso sistema de auto-monitorização, que evoluiu com a nossa nova forma de autoconsciência, tiver tendência para nos desvalorizar e ser excessivamente autocrítico, então vamos ficar presos ao sistema de ameaça. Mas se conseguirmos dar um passo atrás e deliberadamente escolhermos ser mais compassivos connosco mesmos, saímos do sistema de ameaça e ativamos este sistema calmante e relaxante. Isso pode, obviamente, ser difícil e é por isso que nós vamos ensinar-lhe como fazê-lo. É importante reconhecer que aprender a ser auto-compassivo não nos torna de forma alguma menos empenhados. E na verdade, intuitivamente você já sabe isto – como lhe vamos mostrar de seguida, já tem uma sabedoria acerca disto.

​

Por exemplo, imagine que tem um filho e pode escolher uma de duas escolas. Na primeira escola, o professor diz-lhe que naquela instituição trabalham muito arduamente com as crianças. Quando as crianças cometem erros, os professores são muito críticos, atentos aos defeitos, punitivos e hostis. Quando descobrem que uma criança tem pensamentos ou sentimentos maus, eles envergonham-na. Eles dizem-lhe “vamos monitorizar constantemente o seu filho, criticá-lo e puni-lo se ele não for como queremos que ele seja – assegurar-nos-emos de que ele aprende a ter medo de cometer erros ou fazer coisas erradas”. Por outras palavras, eles vão ensinar o seu filho de tal forma que será o sistema de ameaça a dominar a sua vida. É claro que algumas crianças vão revoltar-se e fazer exatamente o contrário, mas outras vão submeter-se. Quereria que a mente do seu filho fosse conduzida pelo sistema de ameaça?

​

Na outra escola o professor diz: "Bem, sabe que crescer é muito difícil e as nossas mentes são muito complicadas porque têm todo o tipo de pensamentos, sentimentos e impulsos. Não se preocupe, nós vamos ajudar o seu filho a aprender sobre a forma como a mente funciona, e quando ele cometer erros, vamos ajudá-lo a refletir sobre os seus erros e a aprender com eles. A cada passo do caminho vamos encorajar o seu filho a ser carinhoso e valorizar-se a si mesmo e aos outros, a enfrentar o que ele precisar de enfrentar, e a inspirar-se para aprender e fazer bem as coisas. Na verdade, nós sabemos que quando nos sentimos seguros e cuidados pelos outros é quando nos sentimos mais seguros e felizes. Aliás, a ciência tem demonstrado que o cérebro e o corpo humanos funcionam melhor sob duas condições: quando cuidamos e valorizamos os outros e quando nos sentimos cuidados e valorizados por nós mesmos”.

Em qual das escolas colocaria o seu filho? Bem, é óbvio! O problema é que quando se trata de nós mesmos fazemos como na situação da sua avaliação enquanto professor que anteriormente descrevemos. É muito fácil para nós concentrarmo-nos nas coisas negativas em nós e nas coisas que não fazemos tão bem e esquecer as nossas qualidades e as coisas boas que fazemos. Portanto, esta é uma forma de ajudá-lo a reconhecer que tornando-se mais auto-compassivo vai realmente tornar-se mais forte e mais dedicado ao que deseja alcançar, mas vai fazê-lo de forma muito diferente, não a criticar-se ou ameaçar-se constantemente quando as coisas são difíceis ou quando descobre em si coisas que são desagradáveis.

bottom of page